Deve começar nesta quarta (8), na Câmara do Deputados, a votação das chamadas leis infraconstitucionais (que não necessitam de maioria de dois terços para aprovação em plenário) sobre o processo eleitoral. O regramento que será colocado em pauta tem incidência direta sobre nosso trabalho como profissionais de campanhas, sobre a função dos marqueteiros, tão criticada nas votações de primeiro turno da reforma pelos próprios políticos que utilizam seus serviços.
Os deputados irão analisar, entre outros temas:
1) A redução do período campanha de 90 para 45 dias, contados das convenções partidárias ao fim dos programas do horário eleitoral gratuito.
O relatório diminui tempo de programas e amplia as inserções publicitárias, tornando as eleições brasileiras, no que diz respeito ao uso da mídia, cada vez mais americanizada. Com mensagens curtas, de baixa reflexão.
2) Limitação do uso de “artifícios” publicitários
Aqui entramos no campo completo da subjetividade. No Brasil, várias vezes já se limitou a criatividade no processo eleitoral, processo que atingiu o auge na ditadura militar, com a promulgação da conhecida Lei Falcão. Para quem não viveu o período ou não lembra, a lei restringia o uso da televisão e do rádio à apresentação docurriculum vitae dos candidatos; na TV, permitia-se apenas fotos sem movimento e narração em off dos currículos.
Ainda bem que o policiamento raramente vence a criatividade. Mesmo a draconiana Lei Falcão foi contornada pela imaginação dos publicitários do grupo político do PMDB de SP que driblou a lei sem infringir o texto legal, tornando-a morta por inanição.
O que os deputados chamam de “artifícios publicitários”, um dos mais importantes filósofos da comunicação no mundo de hoje, J. Habernaz, considera uma “inclusão democrática”. Ele considera que não há como evitar a incorporação de novas tecnologias ao debate político, que é simplesmente impossível. E julga que as leis nesse sentido são artificiais, produzindo dessa forma artifícios para não serem cumpridas.
Para Habernaz, a linguagem livre faz a mensagem mais inclusiva, tornando o debate acessível a todos os leitores, bem além dos “ilustrados” que se guiam por discursos e posições pré-assumidas e dispensam a informação trazida pela publicidade de campanha. A minoria pode preferir assim, mas o povo não renega o horário eleitoral, dezenas de pesquisas comprovam isso.
3) Proibição de cartazes e do uso de carros de som por candidatos
A medida tira as eleições das ruas. Torna invisível a campanha no espaço público, limitando-a à mídia.
Como se perceber, todas as mudanças preconizadas têm o mesmo objetivo, que é contraditório em si: promover a democracia com menos democracia, com eleições menos impactantes e mais curtas, como se a atual experiência não tivesse produzido um processo eleitoral eficiente, aprovado por 30 anos de vigência institucional, sob a égide da Constituição de 1988, que sobreviveu inclusive ao impedimento de um presidente.
Muito bem, debata-se o barateamento das campanhas, embora os deputados já tenham aprovado o seu oposto, pela manutenção do financiamento empresarial tenha sido aprovado. Mas não com medidas diminuam a importância das eleições na vida cotidiana do povo. Que limitam a experiência do povo na escolha de seus candidatos. Que poupam o povo de, até mesmo, arrepender-se de seu voto. Tudo isso é educação democrática.
Profissionais de campanha deveriam ser convidados a ajudar nessa regulamentação, para que se evitasse os erros crassos de formulação e redação, como as que existem na lei atual. Por exemplo, o texto que proíbe montagens, edição e trucagens, sem especificar em que circunstâncias. Isso faz com que até vinhetas eletrônicas com o nome e o número do candidato sejam vedadas em alguns tribunais, porque configurariam “trucagem”.
É evidente que a intenção do legislador era inibir a ridicularização entre oponentes. Correto, mas foi formulado por quem nada entende do ramo. Alguém que lê este texto e trabalha com audiovisual pode responder: é possível fazer televisão sem edição?
Outro exemplo foi a norma introduzida pelo hoje senador José Serra, proibindo o uso de imagens externas nas inserções curtas (os “comerciais” exibidos durante a programação). Essa norma, em vigor até hoje, foi feita em nome do barateamento, mas implica mesmo é em aumento dos custos, porque as gravações em estúdio tendem a ser mais caras.
O resultado dessas decisões impensadas é que, a cada ano eleitoral, a Lei 9096/99 é renormatizada pelo TSE e pelos TREs. As decisões dos tribunais, quando isoladas, produzem dezenas de pedidos de direito de resposta e de suspensão de veiculação de programas, que muitas vezes representam apenas censura formal às campanhas.
A mais pura lógica determina a afirmação: democracia tem custo. Em qualquer lugar do mundo. Pensar em barateá-los é legítimo, mas enfraquecer o debate eleitoral, nunca. O Brasil é um país continental onde a linguagem da TV une o povo.
Há que se pensar em muitos aspectos, antes de decidir qualquer coisa nessa matéria. Mas, infelizmente, não é assim que acontece no Congresso. Tudo deve ser votado nesta semana. A maioria dos candidatos sofrerá grande perda no que se refere à sua competitividade – e nem sequer percebe o que está em jogo. Isso é ruim para a democracia.
É possível ter campanhas mais baratas, sem o menor problema. Basta reduzir o custo das alianças políticas. Elas é que, de fato, oneram as campanhas e incentivam o caixa dois. Na última campanha presidencial, o trabalho do profissional mais caro do país, incluídos os custos de produção que ele teve e os salários de sua equipe, representou apenas 17% da total declarado na prestação de contas.
Mas nós, marqueteiros, somos alvos fáceis, em razão da imensa demonização que sofremos e que chegou ao ápice em 2014. Novamente, somos colocados como o bode na sala. Atrapalhar o nosso trabalho não resolverá problema nenhum do país.
Matéria de Paulo de Tarso, publicada em: http://marqueteiros.com.br/08-07-2015-bode-na-sala-chamem-o-marqueteiro/